sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Dia de chuva....


Dia de chuva
Hoje a chuva resolveu lavar a cidade e as nossas almas. Desceu sem piedade arrastando desde a sujeira até a alegria de muitos que, cabisbaixos, encolhem-se e atravessam ruas e avenidas para seus compromissos inadiáveis. Para uns, é só chateação, outros, transtornos, haja vista a impaciência no trânsito, o mau humor, a intolerância no trato com o outro. Mesmo com todos os transtornos, nunca encarei chuva como um problema. Ao contrário, sempre me deixa feliz, evocando lembranças especiais, constitutivas de minha personalidade, meu jeito de ser e ver o mundo.Talvez não seja, mas gosto de pensar que meu elemento é a água. Hoje, em especial, o barulho da chuva na vidraça me fez lembrar os transgressores tempos de menina correndo livre, de roupa colada ao corpo, rindo feliz, sem importar-me com os zangados “sai da chuva” ou as ameaças do “vai ficar doente”, “mamãe vai brigar” e tantas outras proferidas por minhas ajuizadas irmãs. Através desses momentos é que me dei conta de que a meninice permaneceria na alma, embora o corpo estivesse mudando. Tomei consciência disso quando percebi que os olhares direcionados aos meus seios, as minhas pernas e quadris já não eram os mesmos. Isso me assustou e ao mesmo tempo envaideceu. Havia um quê de surpresa em mim ao constatar a transformação. Eu, menina comum, sem atrativos excepcionais, ao me descobrir mulher, descobri também que possuía um inquietante poder. A curiosidade e a desenvoltura com as palavras tornaram-se marcas do meu jeito de ser, assim como o ar petulante, sequioso por compreender tudo o que me cercava. A chuva de hoje trouxe junto uma enxurrada de lembranças daquela menina descobrindo o mundo, desabrochando para a vida. Tempos de “ inverno”, mas de primavera na alma. A chuva também evoca a lembrança de quando me apaixonei, pela primeira vez. Minha primeira paixão, de verdade, foi por um homem mais velho. Apareceu para passar uma chuva, literalmente. O cheiro dele operou a mágica e minha tagarelice se encarregou do resto. Aproximei-me com o olhar e o sorriso curioso, de quem não tem medo, e o desconcertei. Voltou outras vezes, parecendo nada querer, talvez apenas ver ou conversar com aquela menina, quem sabe. Era simpático, atencioso, mas reticente, cuidadoso com as palavras. Aos poucos, com o passar dos dias e como meu olhar não deixava dúvidas do que queria, capitulou. Tivemos um namoro um tanto tumultuado. Era um conhecido da família e foi um susto geral. Impossível achar normal uma menina de catorze anos namorar um homem de vinte e seis. Indecente e improvável um homem nesta idade se interessar por uma menina. Ouvi muitos “conselhos”, muitas conversas, hoje eu sei, metafóricas, sem sentido. Não arredei pé da primeira decisão que tomei na vida como mulher: queria namorar aquele homem. Tinha consciência de que não era por ele, mas por mim. Não durou quase nada, mas aprendi muito e descobri muito de mim. Enfim, quando a paixão arrefeceu e resolvi terminar, ouvi um “é no que dar se meter com criança”. A chuva o trouxe, mas as ventanias do outono o levaram.Ainda assim é uma lembrança boa. Aprendi a meditar com a chuva. Acalmo-me. Respiro, procurando sentir seu cheiro. Adoro a música da ventania na folhagem. Adoro o barulho no telhado e, sempre que posso, escolho a chuva como companheira para ouvir música, para ler, para dormir. E, como nasci num lugar em que a chuva sempre significou muito e é sempre muito bem-vinda, acho graça quando alguns revelam seu medo ou desconforto com a chuva. Na minha vida, sempre será um momento de rara beleza, inspiração e alegria.


Edna Lopes


Bom final de semana para todos!!

Beijos


Nenhum comentário:

Postar um comentário